Se utilizadas novas tecnologias e respeito no trato aos consumidores, o resultado das ações de cobrança pode ser muito mais efetivo.
Em um dia normal, os 1.100 operadores da central de atendimento da AES Eletropaulo, recebem cerca de 30.000 telefonemas. Em dias de tempestade, causa frequente de quedas de energia, o patamar salta para 200.000. Basta uma chuva mais forte na região metropolitana de São Paulo, onde a concessionária atende 16,6 milhões de habitantes, para a média de 27 telefonemas por atendente subir para 181 ligações.
Em 2016, a AES Eletropaulo foi considerada a empresa com o terceiro pior atendimento no país, atrás da Supervia Trens Urbanos e da Vivo TV. “O índice de reclamações resolvidas chegou ao número mais baixo já detectado pelo estudo, realizado desde 2010”, diz Alexandre Diogo, presidente do Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o cliente (IBRC), responsável pela pesquisa. “Em menos da metade dos casos, os clientes ficaram satisfeitos” .
Para chegar a essa constatação, pesquisadores do IBRC ouviram 5089 pessoas em 148 cidades. Foram ainda analisadas 116 empresas – todas com faturamento superior a R$ 400 milhões – através de um formulário de auto-avaliação, interações de “clientes ocultos” por telefone, internet e pessoalmente.
Outra conclusão do estudo: a ascensão da inadimplência gerou uma reação forte – e nem sempre amigável. As empresas tornaram-se menos tolerantes em relação aos dias entre o não pagamento e o início dos contatos, mais insistentes nas ligações e na abordagem (veja quadro abaixo), com telefonemas para números não fornecidos. É natural que haja mais rigidez diante de um problema que tem ajudado a piorar as finanças de muitas companhias. As críticas giram em torno dos meios usados para combatê-lo.
Na pesquisa do IBRC, há relatos de contatos feitos a parentes e visitas à casa dos devedores em que vizinhos foram abordados. A divisão de cartões de crédito do Itaú Unibanco, a Itaucard, caiu 46 posições no ranking EXAME/IBRC em 2016. As varejistas Walmart, Marisa e Magazine Luiza, cujo serviço de cartão de crédito é prestado pela ltaucard, também perderam muitas posições. O banco nega ter adotado práticas pouco amistosas com seus devedores. “Os escritórios de cobrança que prestam serviço para nós passam por uma criteriosa avaliação e têm seus processos acompanhados de perto”, diz Marcos Magalhães, diretor de negócios cartões emissor do ltaú, banco que administra a ltaucard.
Em média, as empresas tiveram uma reação dura ao aumento da inadimplência – e tornaram-se mais intolerantes e insistentes
Parte das novas tecnologias disponíveis tem sido usada para acelerar a redução de inadimplência das empresas e amenizar o infortúnio dos clientes ao mesmo tempo. Algumas empresas passaram a adotar a inteligência artificial em seus sites. O primeiro contato com o devedor costuma ser por e-mail ou SMS, com um link para o chat com um robô. Esses novos mecanismos foram responsáveis, entre as empresas que os adotaram, pelo aumento de 10% na “taxa de alô” – o sucesso em conseguir um primeiro contato com inadimplentes, segundo dados da empresa de gestão de risco Go On.
Outras tecnologias cada vez mais difundidas no mercado vêm criando um efeito oposto. É o caso do discador automático. O sistema liga ao mesmo tempo para três pessoas. Se todos atendem e não há operadores disponíveis, a linha cai e o sistema volta a ligar em seguida. Eis o motivo de insistentes chamadas diárias para a mesma pessoa. Introduzido para aumentar a produtividade na cobrança, criou um inferno na vida de clientes em débito.
As empresas mais bem colocadas na lista estão no grupo das que usaram a tecnologia a favor do cliente – e não contra ele. Na seguradora SulAmérica, a inadimplência foi prevenida com lembretes para beneficiários de alguns produtos por meio de notificações no aplicativo da companhia, usado por 1 milhão de clientes, e pelo envio de e-mails e SMS. As mensagens avisavam a data do próximo vencimento e continham um link com o boleto digital de pagamento. Desde 2013, a companhia faz uma revisão em seu atendimento.
Uma das medidas foi a integração das bases de dados dos clientes – hoje 60% concluída. “Estamos substituindo 18 sistemas que construímos nos últimos 30 anos por um único software com as informações dos clientes”, diz Cristiano Barbieri, diretor de tecnologia e atendimento aos clientes da SulAmérica, Agora a empresa pode identificar rapidamente quem é o cliente e quais contatos já fez. Gràças a isso, a taxa de resolução das solicitações no prímeiro contato cresceu 20% nos últimos dois anos.
A integração de sistemas também permitiu que o cliente pudesse completar tarefas, como pedir o ressarcimento de consultas médicas, via aplicativo. A implantação de novas funcionalidades nos canais digitais resultou na redução de 2 milhões de telefonemas nos últimos dois anos. A SulAmérica cresceu seis posições no ranking EXAME/ IBRC e hoje ocupa o 112 lugar.
O movimento ajudou também a desafogar a ouvidoria da SulAmérica, existente desde 2005. O departamento, responsável por solucionar o casos não resolvidos no SAC, é uma barreira importante para evitar que o entrevero com o cliente vire um problema maior. Quando uma reclamação chega à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), reguladora dos planos de saúde, a empresa notificada tem cinco dias para resolver o problema ou provar que a questão não é de sua alçada. Caso não respeite o prazo, pode receber uma multa no valor de 80.000 reais. A ANS tornou as ouvidorias obrigatórias em uma resolução de 2013. Antes disso, somente 10% dos planos de saúde tinham ouvidorias. Hoje 96% têm essa instância. A existência das ouvidorias é relativamente recente em muitos setores e seu efeito, segundo o estudo EXAME/IBRC, ainda é limitado.
O maior salto da lista foi o da fabricante de eletrônicos Sony: a empresa subiu 86 posições. A companhia passou das 25 piores para as 25 melhores graças a uma diretriz definida em sua sede no Japão, no último trimestre de 2015, orientando as subsidiárias a tornar o atendimento mais personalizado. A primeira ação foi praticamente abolir o discurso ensaiado nas centrais de atendimento. A nova regra é conversar livremente com o cliente. O que mudou foi o conteúdo e o formato dos treinamentos mensais.
Outros ensinamentos valiosos podem ser tirados das únicas três empresas que desde o início do estudo, em 2010, permanecem na lista das dez melhores: a fabricante de cosméticos Natura, sua rival O Boticário e a fabricante de bebidas Coca-Cola. Nelas, a satisfação dos clientes é um indicador de desempenho atrelado ao pagamento de bônus dos executivos, os problemas dos
clientes são resolvidos bem e rapidamente, os operadores de atendimento têm autonomia para tomar decisões e os processos de trabalho são constantemente revisados e aperfeiçoados. Eis uma prova de que, mesmo num cenário sujeito a chuvas e trovoadas, é possível melhorar.
Fonte: Revista Exame
Sobre o Autor: Redação Acerte as Contas
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