A Alvarez & Marsal, consultoria de empresas especializada em gestão e negociação de dívidas com 50 casos ativos em varejo no Brasil, realizou neste ano a renegociação de R$ 5,28 bilhões em dívidas de empresas varejistas. Esse montante é 306,2% maior que o total de dívidas renegociadas no ano passado, de R$ 1,3 bilhão. A consultoria estima que todo o mercado de varejo tenha renegociado neste ano em torno de R$ 20 bilhões em dívidas com atraso e tenha apresentado o mesmo nível de aumento que as clientes atendidas pela Alvarez & Marsal. A estimativa considera o varejo ampliado, incluindo concessionárias de veículos e lojas de material de construção.
“A maior parte da dívida das empresas do setor é saudável, ou seja, paga no prazo, conforme foi contratada. Esse montante é de dívidas que as empresas não conseguiram pagar, nem com atraso, e tiveram que renegociar, com ou sem recuperação judicial”, afirma Leonardo Coelho, diretor da Alvarez & Marsal.
O Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (INRE) não possui dados específicos sobre dívidas no varejo. Carlos Abrão, desembargador e conselheiro fundador do INRE, informou que o passivo envolvendo recuperações de empresas de todos os setores no país hoje gira em torno de R$ 250 bilhões. O volume renegociado que vence entre 2017 e 2020 chega a R$ 500 bilhões, incluindo concessionárias, permissionárias e parcerias público-privadas. As dívidas envolvem débitos tributários, trabalhistas, previdenciários e com fornecedores e bancos. Ele também informou que, nas renegociações, as empresas conseguem deságio nas dívidas entre 30% e 70%, e conversão de créditos em participação ou em nova emissão de debêntures. O sucesso na renegociação chega a 62% para dívidas renegociadas em cinco anos.
Fabio Astrauskas, membro fundador e conselheiro fiscal da TMA Brasil, entidade internacional que reúne especialistas em reestruturação de empresas, informou que o sucesso nas renegociações de empresas chega a 70%, mas quanto maior a idade da dívida, menor o sucesso na recuperação. Leonardo Coelho diz que, no caso das empresas de varejo, o índice de sucesso supera os 70%, mas essas empresas não têm um histórico de renegociação de dívidas para saber se a nova rodada terá um índice alto ou baixo de êxito. Em geral, segundo ele, as empresas conseguem negociar abatimentos nos juros e prazos de carência superiores a 12 meses.
A maioria das renegociações foi feita fora do âmbito da Justiça, mas parte delas se deu com recuperação judicial. Um dos casos foi o Grupo GEP, dono das varejistas de moda Cori, Luigi Bertolli, Emme e Offashion, que renegociou R$ 513,25 milhões. Outro caso foi da rede Barred’s, que renegociou uma dívida de R$ 104,2 milhões. Outros casos foram solucionados fora do âmbito jurídico, como o da Leader, que encerrou a questão em câmara de arbitragem, com pagamento de R$ 80 milhões, e a Camisaria Colombo, que converteu a dívida de R$ 1,5 bilhão com instituições financeiras em ações ou instrumentos semelhantes a ações.
Uma das principais fontes de dívidas renegociadas foram empréstimos para capital de giro, tomados principalmente em bancos comerciais. Também pesaram dívidas contratadas em anos anteriores que venceram agora. “Com a expansão dos shoppings no começo da década, as redes de varejo fizeram muitas dívidas para abertura de lojas e isso está pesando agora”, observou Coelho. No ano passado, a Alvarez & Marsal negociou R$ 1,3 bilhão em dívidas de varejistas. Em 2014 foram R$ 2 bilhões. Em 2012, no entanto, o montante foi bem menor, de R$ 120 milhões.
Outra fonte importante de endividamento das empresas foi a decisão de algumas categorias de mudar o mix de produtos por questões de custos. Essa mudança afetou principalmente empresas de materiais de construção, que passaram a importar mais itens da China, e as de moda, que fizeram o caminho inverso, substituindo importações pela produção local. Coelho considera que o pacote do governo federal para pagar dívidas fiscais trará alívio ao fluxo de caixa das empresas em geral, mas não terá um grande efeito para as varejistas. “O grande problema do varejo é que a maior parte das dívidas tributárias não está no nível federal. Os problemas são com ICMS e para esse tributo não há saída. PIS e Cofins são importantes na composição do custo do varejista, mas é uma alíquota de 9,25% contra 17% do ICMS”, afirma.
Para os próximos anos, a tendência é de aumento no volume de dívidas renegociadas pelas redes, segundo Coelho. “Poucas varejistas têm dívidas sob controle hoje. A maioria perde lucratividade por conta do cenário de consumo retraído. E não há ainda perspectiva de melhora da economia, devido à crise política”, afirmou. Ele também observou que as dívidas renegociadas em 2015 e no começo deste ano, vencem ao longo de 2017. “Com o cenário macroeconômico desfavorável para geração de caixa, essas empresas terão que renegociar novamente os prazos. Vai ser um ano difícil”, disse Coelho. Ele estima que as empresas do setor ainda levarão de dois a três anos para equilibrar as contas.
Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, diz que de 9 milhões de empresas em operação no país, 4,6 milhões estão inadimplentes, um aumento de 21,1% em relação a 2015. O total de varejistas inadimplentes chegou a 2,05 milhões, ante 1,75 milhão no ano passado, um aumento de 17,3% em relação a 2015. “No ano passado, a recessão foi provocada principalmente pela queda em investimentos. Neste ano, o fator de maior peso é a queda no consumo das famílias, por isso o maior impacto no varejo e em serviços”, afirmou Rabi.
Ele acrescentou que os juros altos e a maior restrição dos bancos na concessão de crédito para empresas – principalmente pequenas e médias – dificultaram ainda mais a obtenção de recursos para sanear as dívidas. “A cada ano esse número de inadimplência aumenta. Não vejo ainda nenhum sinal de estabilização. Enquanto o consumo não voltar a crescer, a vida das empresas continuará difícil”, afirmou. Na visão do economista, mesmo a queda recente na taxa básica de juros (Selic) e a perspectiva de inflação em 2017 mais próxima do centro da meta são insuficientes para estimular uma retomada do consumo das famílias.
Fonte: Valor
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